segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Em Cerquilho havia uma linda magnólia




“Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma.
Cada tua badalada,
Soa dentro de minha alma.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.”

Ah, os poetas! Fernando Pessoa, com esses versos faz soar em mim as badaladas do sino da minha infância e da minha pequenina cidade, quase uma aldeia, cujas tardes, dolentes e calmas contavam o tempo como quem conta as horas do sem-fim.
Cerquilho, minha terra, hei de cantá-la muitas vezes para mais “longe sentir o passado e mais perto viver a saudade”.
Quem, dos seus moradores, nos anos mil novecentos e cinquenta e sessenta não se lembra de que havia na Rua Dr. Soares Hungria, em frente à casa do Sr. João Módena, uma linda magnólia? Ela está ali, em nossa memória e foi plantada por algum poeta da natureza, às margens da Estrada de Ferro Sorocabana muito antes de nascermos.
Suas flores brancas e enormes, espalhavam seu aroma pelas ruas da cidade em tardes de ventania. E como ventava naquelas poucas ruas do nosso mundo encantado. O crepúsculo tornava-se etéreo quando o sol iluminava a paisagem ao se por detrás da grande árvore que arremessava pétalas no ar.
Imaginávamos, nós crianças brincantes dos arredores, que o trem ao passar, levava o frescor do perfume de magnólias para longe, às cidades da Alta Sorocabana. Corríamos atrás do vento para segurar com as mãos, flores que poderiam estatelar-se no chão. Caíam pesadas e, algumas pétalas, ao menos, conseguíamos segurar.
Era extasiante ver uma flor salvar-se no gramado às margens da ferrovia, entre folhas e ervas. Que alegria enfiar-nos debaixo das ramagens para encontrar a flor inteira; podíamos apreciá-la em sua total perfeição, segurá-la nas mãos, como um presente da velha árvore. Era impossível colher magnólias que, por encanto ou astúcia da natureza ficavam bem no alto, inatingíveis.
Pétalas macias e aveludadas, suave perfume, essas sensações me vêm soprar o vento da memória.
Quem tivesse a sorte de ficar com a flor, fazia a oferta: ou à Mãe do Céu, ou à mãe da Terra; por elas corríamos ao vento, atrás de magnólias!
Se fosse para a Mãe do Céu, a igreja exalava o suave aroma da flor e, em forma de graças, Maria saía do altar com o Menino Jesus nos braços e ia para as ruas proteger aquelas crianças que alegres saltavam entre os vagões dos trens, corriam nos trilhos e brincavam de roda no pátio da estação.
À noite, mulheres punham cadeiras nas calçadas e passavam horas a conversar enquanto as crianças atentas contavam estrelas no firmamento e as flores da magnólia que ainda restavam da florada .
São incontáveis as magnólias que a saudade traz para perto de mim e, mesmo que tão longe sinta o passado, por ter vivido intensamente aqueles momentos, respiro e sinto ainda o perfume se espalhar pela alma,
a viajar com ele em tantas outras estações por onde passaram os trens da minha infância.

- Texto com algumas alterações, publicado no Jornal Destaque News de Tietê em novembro de 1999 e no livro - Beijos na Sacada, 2001

- Foto - Cerquilho Antiga - Gentilmente cedida por Luiz Antonio Souto - arquivo da TV Nova Regional