sábado, 16 de novembro de 2013

Felicidade possível



             
                Felicidade possível

Falar sobre a felicidade parece fácil. O tema, no entanto, é polêmico e, ainda que  milhões de pessoas digam que são felizes, é difícil acreditar em felicidade plena.
Vejo a felicidade através de um caleidoscópio cujos fragmentos de momentos felizes refletem-se num jogo de sensações e impressões que mudam tão rapidamente, sem nos darmos conta dos acontecimentos que a geraram. Talvez daí a expressão: “Era feliz e não sabia”.
Momentos de estado de graça e iluminados são fugidios, quando não acontecem ficamos frustrados e buscamos revivê-los a qualquer preço, é como se houvesse um paraíso perdido em algum lugar do mundo que ansiamos reencontrar girando o caleidoscópio das lembranças prazerosas.  Essa felicidade é de natureza fugaz e se nutre das nossas ilusões imagéticas, num eterno sem-fim.  O poeta Vinicius de Moraes falou dela na poesia da música  “A Felicidade” que compôs em parceria com Tom Jobim: 
“Tristeza não tem fim, felicidade, sim. A felicidade é como a  pluma que o vento vai levando pelo ar. Voa tão leve,  mas tem a vida  breve, precisa que haja vento sem parar.”  
Sem as imagens do caleidoscópio das ilusões, ao mudarmos a direção do nosso olhar para a realidade e com muito esforço pessoal, é possível     encontrarmos a felicidade no trabalho, no riso inocente das crianças, no cumprimento cordial que nos transmite confiança, em alguma coisa que criamos.  A felicidade vem do frescor da flor que nasce entre as pedras, do  ninho de passarinhos no galho da velha árvore, de um animalzinho que nos faz carinho e nos olha docemente, um abraço sincero, a nuvem branca que desenha figuras sobre o fundo de um céu azulado, o murmúrio do vento e das ondas do mar, o dom de perdoar e ser perdoado, a chegada de uma nova estação, infinitos momentos que enternecem a alma e deixamos passar despercebidos na maioria das vezes.
Quem sabe, por isto, em outros versos da música, Vinicius de Moraes, ainda mais inspirado escreveu: 
“A felicidade é uma coisa boa, e tão delicada também. Tem flores e amores, de todas as cores, tem ninhos de passarinhos, tudo de bom ela tem. E é por ela ser assim tão delicada que eu trato dela sempre muito bem”.
Felicidade assim delicada merece carinho e atenção.
E a felicidade heroica, daqueles que lutam pela conquista de ideais humanitários pela paz e erradicação de injustiças, essas pessoas que comovem milhões de pessoas no mundo a exemplo de Madre Teresa de Calcutá e Zilda Arns, é uma felicidade de natureza solidária, partilha a grandeza de sua alma com a humanidade e enfrenta enormes dificuldades para salvar as vítimas da injustiça e da miséria. O olhar de Madre Teresa e o sorriso de Dona Zilda Arns ainda contagiam milhões de pessoas e o efeito de suas ações continuará salvando milhares de pessoas e crianças no planeta por muito tempo ainda.  A minha felicidade, que não tem essa grandeza, fica delicada e contente em poder falar dessas mulheres e das bênçãos que seus atos promoveram e inspiraram.  
Enternecida em minha frágil felicidade, também não cabe em mim o contentamento em ouvir e transcrever a poesia de Vinicius de Moraes:
“A felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor, brilha tranquila, depois de leve oscila, e cai como uma lágrima de amor.”
Há de se querer mais da vida?

Revista Vitrini - Novembro 2013

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Florescência nas ruas


     
                 
Tenho uma vizinha que cultiva flores em um pedacinho de terra, seu pequeno jardim. Octogenária e muito querida, possui o dom de tocar as plantas com especial carinho; há entre ela e suas flores, a  alquimia do amor e da delicadeza, desconfio até que têm lá suas conversas, pois não há rosas e dálias mais lindas e faceiras do que as suas. Dálias de tom púrpura e aveludadas se abrem para o céu em noites de lua e se tornam quase azuladas, nuances da flor que iluminam e prateiam os sonhos quando se  encontra com a lua. Espio, da calçada, suas rosas mescladas  de amarelo e vermelho e outras em tons de fúcsia e magenta.  Ouço do lado de cá do muro o murmúrio da brisa que as toca e aprendi que a beleza precisa do silêncio; é no intervalo e na pausa que a vida respira e entoa o cântico  dos anjos. Doce ternura, os anjos visitam nossa rua, nela existe uma linda senhora que sabe a linguagem das flores.
Um escritor português, da cidade do Porto, ilumina um jacarandá-roxo de sua rua com a poesia e a agudeza de seu olhar. Li em seu Blog - http://peregrino-bg.blogspot.com.br/ a deliciosa aventura da florescência do jacarandá que se inicia em junho. Com sua prosa poética, Bernardino Guimarães nos guia pelas ruas de sua bela cidade: “Minha rua, como em algumas outras ruas do Porto, floresceu um jacarandá. Explosão de cor, festa das cores. Azul e violeta, roxo. As flores são pequenos sinos de azul e aparecem tardiamente, entrando brilhantes neste belo mês de Junho, quando bate mais forte o coração da cidade.
As variações de luz, a intensidade maior ou menor dos raios solares, a chuva leve que amiúde cai, tudo isso altera a coloração do jacarandá, como se quisesse exibir não apenas esplendor, mas versatilidade. E o tempo, sempre o tempo, vai diminuindo a frescura e a profusão das flores, até que desaparecem, como se um meteorito lilás e veloz ali tivesse passado.” – Bernardino Guimarães.
O escritor e psicanalista Rubem Alves também adora escrever sobre florescências. Sua crônica Sacramento tornou-se um hino de amor ao rosmaninho  de  flores perfumadas do seu jardim – penso que há razões secretas a esse feitiço da natureza, todos que passam numa rua onde haja florescências não sai dali o mesmo.  Rubem Alves e  seu rosmaninho: “Gosto  de me deitar na rede, perto dele, quando as noites são frescas e há aquela brisa... Às vezes descubro que estou conversando com ele e já cheguei mesmo a agradar as suas folhas, como se ele sentisse. Nunca se sabe ao certo... ”
É, nunca se sabe, mas parece que as flores e as plantas fazem intermediações entre nós e o Sublime e que através dos homens a mente divina experimenta toda a beleza da Criação. Por isso, os poetas, os artistas e os que cultivam e lidam com flores trazem seu perfume nas mãos como forma de gratidão.
Sei lá se é bem assim, mas gosto do perfume que ficou da magnólia da rua da minha infância. Suas folhas brilhantes e suas belas flores aromatizaram para sempre as noites de minha alma. Quando fico triste, quase sempre fico, busco o perfume inigualável das flores, a respiração da vida nas pausas e intervalos, o silêncio que ecoa a língua dos anjos e o frescor da brisa que sopra leve na janela do meu quarto. A tristeza é boa amiga,  ela nos dá as mãos, pode até nos levar ao paraíso onde os jardins são eterna poesia. Nunca se sabe nada ao certo, mas também não há  porquê duvidar. 
Matéria Publicada na Revista Vitrini – Tietê/SP – Julho de 2013