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Pintura em porcelana por Rosa Maria Gaiotto Fonseca
Criação original; Dina Gayotto Carneiro da Cunha
Escrevo do
pretérito, fugas do tempo presente, portos de onde as embarcações se lançam ao
futuro e as bagagens se extraviam em cada um deles. Tudo parece vir de tempos
idos, das mochilas que lancei aos mares por onde viajei com a vida.
Uma casa de
varanda e um sobrado a ela conjugado abriram suas portas e janelas para a poesia
da lembrança; de lá, a argila da saudade moldou em mim a
permanência de tudo o que a ilusão parece modificar.
Mas não,
essa persona que é do passado, vive flexionada à casa, ao sobrado, à Mamma, minha
avó paterna e aos inquietos meninos e
meninas, netos que ela acolhia em seu
imenso quintal.
Da fresca
varanda que ficava a alguns degraus das brincadeiras, com a agudeza do seu olhar de águia, perspicaz e penetrante, a nona nos vigiava. Quantos éramos? Muitos! Tantos, que ela não
mais conseguia assossegar.
Durante os
meses de julho, dezembro e janeiro, o quintal ficava ainda mais animado com os
primos, netos e bisnetos que vinham de longe.
O olhar da
nossa avó oscilava entre ternura e austeridade; haja energia e foco para conter o desassossego de tantas crianças! E ela foi
mestra no quesito. Do seu rosto emoldurado
por caprichosos coques presos em preciosos pentes italianos, surgiam expressões de bondade e braveza. Mamma
sabia assossegar crianças apenas com o olhar.
Da sacada do
sobrado, tios carinhosos nos advertiam
dos perigos:
subir em altas árvores, boiar nas enxurradas
comer dos
frutos ainda verdes, caçar aranhas e perder-se em montes de areia, travessuras naturais
que,
se comparadas
às dos meninos de agora, dá uma pena doída
por não poderem desfrutar com liberdade das venturas que a natureza oferece. Tudo
tão mais perigoso, nos dias atuais do que saltar dos altos galhos dos pés de
jambolão que iam além do quintal da Mamma.
Tão doce era
o canto que de longe se ouvia quando o vento batia nas frondosas copas das
árvores do quintal, que a vida juntou em
nós sua equação, teorema e poesia, como
fez Casimiro de Abreu com seu menino de oito anos, em seus versos mais
eloquentes sobre pretéritos que os anos não trazem mais.
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