sábado, 12 de novembro de 2016

Tempo pretérito

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Foto: Casarão da Mamma e sobrado conjugado
         Pintura em porcelana  por Rosa Maria Gaiotto Fonseca
         Criação original; Dina Gayotto Carneiro da Cunha



Escrevo do pretérito, fugas do tempo presente, portos de onde as embarcações se lançam ao futuro e as bagagens se extraviam em cada um deles. Tudo parece vir de tempos idos, das mochilas que lancei aos mares por onde viajei com a vida.      
Uma casa de varanda e um sobrado a ela conjugado abriram suas portas e janelas para a poesia da lembrança;  de lá,  a argila da saudade moldou em mim a permanência de tudo o que a ilusão parece modificar.
Mas não, essa persona que é do passado, vive flexionada à casa, ao sobrado, à Mamma, minha avó paterna e aos inquietos  meninos e meninas, netos  que ela acolhia em seu imenso quintal.
Da fresca varanda que ficava a alguns degraus das brincadeiras,  com a agudeza do seu olhar de águia,  perspicaz e penetrante, a nona nos vigiava.  Quantos éramos? Muitos! Tantos, que ela não mais conseguia assossegar.
Durante os meses de julho, dezembro e janeiro, o quintal ficava ainda mais animado com os primos, netos e bisnetos que vinham de longe.
O olhar da nossa avó oscilava entre ternura e austeridade;  haja energia e foco para conter  o desassossego de tantas crianças! E ela foi mestra no quesito.  Do seu rosto emoldurado por caprichosos coques presos em preciosos pentes italianos,  surgiam expressões de bondade e braveza. Mamma sabia assossegar crianças apenas com o olhar.
Da sacada do sobrado, tios carinhosos nos advertiam
dos perigos: subir em altas árvores, boiar nas enxurradas
comer dos frutos ainda verdes, caçar aranhas e perder-se em montes de areia, travessuras naturais que,
se comparadas às dos  meninos de agora, dá uma pena doída por não poderem desfrutar com liberdade das venturas que a natureza oferece. Tudo tão mais perigoso, nos dias atuais do que saltar dos altos galhos dos pés de jambolão que iam além do quintal da Mamma.
Tão doce era o canto que de longe se ouvia quando o vento batia nas frondosas copas das árvores do quintal,  que a vida juntou em nós  sua equação, teorema e poesia, como fez Casimiro de Abreu com seu menino de oito anos, em seus versos mais eloquentes sobre pretéritos que os anos não trazem mais.

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