sábado, 4 de novembro de 2017

Um breve conto de amor



Um breve conto de amor



Era novidade. No pequeno vilarejo, todos queriam ver e falar da bela moça  que chegara de trem ao entardecer.

Seu vestido longo e vermelho lembrava uma pintura rupestre.  Rendas escondiam seu colo alvo, macio, exuberante.

Luvas curtas deixavam parte dos punhos à mostra e seu rosto, escondido pelo véu transparente do chapéu claro lembrava um Modigliani; alongado, olhos rasgados, tez clara.

Passeava pela cidade com a desenvoltura de quem sabia a que viera.

Sua bagagem de mão, uma pequena frasqueira em couro prateada, com certeza guardava o frasco do  suave perfume que exalava de seu corpo por onde passava.

A passante de Charles Baudelaire talvez se aproximasse dela com naturalidade, mas as mulheres e moças do vilarejo não se continham em fofocas e maledicências.

Na hospedagem, a mulher se identificou e pediu para ocupar o quarto 32. Pediu uma ligação local e logo um cavalheiro vestido de preto, com chapéu vitoriano apareceu na recepção.

A mulher correu ao seu encontro e se abraçaram como se fosse a última coisa que fariam na vida.

Passaram a noite no quarto 32 da hospedaria.

De manhã, o homem pediu nova  ligação. 
Um Ford preto do final do século  XIX, muito bem conservado veio  para conduzir o misterioso casal. O chofer elegante cumprimentou a bela mulher que aguardava,  sentada em uma velha poltrona. Sua delicadeza e seu vestido vermelho contrastavam  com o fundo escuro do couro; de seu rosto, coberto pelo véu,  irradiava  uma luz intensa

A conta foi acertada pelo cavalheiro de chapéu vitoriano e partiram em seguida.

A senhoria  correu a chamar a  camareira para irem ao quarto onde se hospedaram os amantes.

Encontraram sobre a cama perfumada  apenas uma pluma do chapéu e um bilhete que dizia:

“Vocês são os mesmos que aqui ficaram quando parti aos quinze anos, aves necrófagas que sobrevoam sobre as  múmias de suas maldosas crenças e preconceitos.Neste quarto me hospedei quando parti pobre e melancólica. Muito chorei e aqui não mais voltarei."

Um perfume suave, misturado ao cheiro do amor da noite entorpeceu as duas mulheres que caíram ao chão,  desmaiadas, uma com o bilhete na mão, a outra com a pluma do chapéu sobre o coração. 
Horas mais tarde, toda a cidade ficou sabendo do ocorrido.  

        Imagem : Fonte: Blog Memória Vintage.

         

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